Data de Publicação: 07 de Abril de 2018
#PraCegoVer - Segundo Resende, Sergipe tem se destacado quando o assunto é a inclusão
Por Álvaro Müller
Publicada no Jornal da Cidade
O procurador-chefe do Ministério Público do Trabalho em Sergipe, Emerson Albuquerque Resende, é uma referência nacional quando o assunto é a inserção de pessoas com deficiência no mercado. Mestre em Direito pela UFS, Resende é autor de um estudo aprofundado sobre o direito fundamental para pessoas com deficiência no Brasil. Enquanto pesquisador da Escola Superior do Ministério Público da União, também investiga a atuação das agências de emprego para essas pessoas. O trabalho, tanto no MPT quanto na academia, rendeu um convite para ministrar um curso sobre técnicas de investigação em processos envolvendo a inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho, para procuradores do Trabalho de todo o país. Em entrevista ao JC, Emerson diz que as tecnologias têm tornado os processos judiciais mais céleres e acredita na mudança de uma realidade ainda excludente.
Qual é o maior entrave para a inserção de pessoas com deficiência no mercado de trabalho?
Emerson Resende – O desconhecimento sobre as potencialidades e capacidades das pessoas com deficiência ainda é o principal entrave. Isso gera preconceito. À medida que as empresas começam a conhecer as potencialidades, há melhoria no processo de inclusão. É claro que o Ministério Público do Trabalho e os demais parceiros estão acelerando esse processo, seja trabalhando na mudança cultural, seja na concretização das ações afirmativas e ainda no combate à discriminação.
O que falta para o Brasil implementar incentivos para as empresas?
ER – Em outros países, como os Estados Unidos, há incentivos fiscais para empresas que contratam pessoas com deficiência. Mas é claro que tais incentivos são principalmente para a questão de adaptação do local de trabalho, pois as pessoas com deficiência produzem como as demais. Aqui no Brasil, ainda não há. Considerando que é urgente uma reforma tributária em nosso país, essa questão poderia ser discutida. O principal entrave então é essa ausência de discussão da reforma tributária.
Qual é a realidade de Sergipe neste cenário?
ER – Em termos de inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho, nos últimos quatros anos, Sergipe tem se destacado em relação aos demais Estados. Várias empresas já cumprem a legislação e outras estão se esforçando mais. Isso é fruto do trabalho de parceria de vários órgãos e instituições, incluindo o MPT. Aqui, por exemplo, estamos, conseguindo fazer inclusive com que empresas de vigilância cumpram a cota de pessoas com deficiência. Antes, havia um mito de que pessoas com deficiência não podiam ser vigilantes. Isso serviu para mudar a cultura também em diversas outras funções. Por outro lado, as pessoas com deficiência estão mais conscientes dos seus direitos e de suas capacidades. Estamos vivendo uma situação favorável de crescimento da participação dessas pessoas, mas é claro que temos que continuar trabalhando forte para que os direitos delas sejam realmente concretizados em nosso Estado e em nosso país. Temos muito o que avançar.
Apesar dos esforços do Núcleo de Apoio ao Trabalhador (NAT), especialmente na realização dos mutirões do Dia D, muitas pessoas com deficiência recebem carta de encaminhamento das empresas, mas não são chamadas. Como o MPT acompanha essa questão?
ER – Essa é uma das grandes questões e precisa ser melhorada urgentemente. Inclusive é o tema da minha pesquisa junto à Escola Superior do Ministério Público da União. Durante a minha dissertação de mestrado, esse problema foi detectado e já havíamos iniciado a melhoria, inclusive começamos a conscientizar a todos de que isso é uma forma de discriminação. Em uma de nossas ações, conseguimos fazer com que uma empresa indenizasse 18 pessoas com deficiência que ficaram aguardando vaga, enquanto a empresa contratava outras pessoas. Também emitimos pareceres pela condenação em indenização por danos morais em ações judiciais propostas por pessoas com deficiência contra as empresas. Vamos conseguir o acesso direto ao banco de dados do Sistema Nacional de Empregos (SINE) por esses dias e, quando isso se concretizar, nossa efetividade aumentará ainda mais porque aturemos de outras formas, não só por denúncia como é hoje, e teremos a possibilidade de cruzar as informações com outros bancos de dados a exemplo do CAGED e RAIS. Assim, ficará mais fácil verificar as empresas que estão praticando as ilegalidades.
O senhor afirma que, mesmo cumprindo 100% das cotas, o problema da exclusão de pessoas com deficiência no País não estaria resolvido. Propõe mudanças no sistema, com a fixação de cotas a partir de 30 empregados e a inserção de pequenas e médias empresas. De que forma isso contribuiria para a inclusão?
ER – Hoje as cotas alcançam perto de um milhão de vagas, enquanto existem mais de sete milhões de pessoas com deficiência na população economicamente ativa. Então é preciso fazer alguma coisa. A combinação da fixação de cotas para empresas a partir de 30 empregados, como em alguns países da Europa, com incentivos fiscais para adaptação, aumentaria as possibilidades de inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho. Isso porque aumentaria o número de empregos disponíveis nas cotas para pessoas com deficiência e facilitaria a inclusão em cidades menores, onde o número de empresas com mais de 100 empregados – que atualmente são obrigadas a cumprir cota – ainda é pequeno ou quase que inexistente.
A morosidade da justiça é um convite para que as grandes empresas não cumpram o sistema de cotas. No decorrer dos anos, passa a ser mais vantajoso pagar a multa do que cumprir a legislação. É possível acelerar os processos? Onde está o gargalo?
ER – Esse é outro problema. Os processos envolvendo discussão sobre o direito ao trabalho da pessoa com deficiência estavam demorando muito e as empresas não cumpridoras da legislação permaneciam na inércia. Tal fato, aliado às multas baixas e ausência de exposição na mídia, realmente era um convite ao não cumprimento dos direitos das pessoas com deficiência. Temos trabalhado para mudar essa realidade, inclusive investindo na profissionalização e acesso a diversos bancos de dados que facilitam as nossas investigações. Com a implantação do processo eletrônico, ficou mais fácil se chegar à celeridade, porque os processos envolvendo direitos das pessoas com deficiência têm tramitação prioritária. Acreditamos que essa realidade irá mudar.